Álcool pode incentivar abuso, mas pode não ser o único culpado
Jairo Bouer
06/07/2018 20h20
Um estudo que acaba de ser publicado no periódico Aggressive Behavior decidiu examinar como a bebida pode interferir nas respostas dos homens às recusas sexuais das mulheres. Para isso, pesquisadores da faculdade de medicina da Universidade de Yale contaram com um jogo de realidade virtual, que simulava o encontro com uma mulher – uma estratégia bem mais segura do que colocar homens alcoolizados para flertar com garotas de verdade.
A equipe selecionou aleatoriamente 62 homens com 20 e poucos anos para consumir bebidas com e sem álcool. Depois, eles tinham que conversar com as figuras femininas como se estivessem num encontro romântico. As personagens tinham sido programadas para aceitar algumas atividades sexuais e recusar outras, e a negar com mais intensidade caso os participantes insistissem em fazer certas coisas.
Como previsto, quanto mais atividades sexuais as personagens topavam, maior era a insistência dos participantes em fazê-las avançar. E quanto mais alcoolizado estava o homem, maior era a insistência, mesmo quando as personagens rejeitavam claramente a investida.
Os pesquisadores notaram que quanto mais recusas sexuais os participantes recebiam, mais hostis eram os comentários que eles faziam à mulher. E o curioso é que isso aconteceu mesmo entre os homens que não consumiram álcool. As frases foram descritas pelos autores no trabalho, e algumas são bem pesadas. Tudo bem que era só uma simulação, mas não deixa de ser um achado preocupante.
Pelo menos metade dos casos de estupro envolve uso de álcool, segundo estudos. Mas ainda existem inúmeras situações em que abusos acontecem porque as vítimas estavam alcoolizadas demais para se defender, e quem se aproveita pode nem se sentir culpado: para certos homens, se uma mulher bebe demais ou dança de maneira mais ousada e sofre abuso, é como se ela tivesse deixado aquilo acontecer.
Em geral, quem exagera na bebida fica com a compreensão prejudicada e pode não perceber os sinais de que uma mulher não está interessada. Além disso, o álcool aumenta a agressividade. Mas esse estudo mostra que a substância pode não ser a única culpada em situações de abuso sexual. A cultura também precisa ser mudada. É preciso que os homens aprendam que as mulheres podem estar a fim de certas coisas, mas não de outras, e isso deve ser respeitado.
Sobre o autor
Jairo Bouer é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e bacharel em biologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fez residência em psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da USP. Nos últimos 25 anos tem trabalhado com divulgação científica e comunicação em saúde, sexualidade e comportamento nos principais veículos de mídia impressa, digital, rádios e TVs de todo o país.
Sobre o blog
Neste espaço, Jairo Bouer publica informações atualizadas e opiniões sobre biologia, saúde, sexualidade e comportamento.