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Jairo Bouer

Amor nos tempos da covid-19 é possível? Sim, mas com adaptações

Jairo Bouer

14/03/2020 04h00

Crédito: iStock

Em tempos do isolamento provocado pela pandemia do covid-19 (novo coronavirus) há espaço para o amor? Pois é, na minha modesta opinião, sempre há espaço para amar, independentemente do tamanho da ameaça. A gente só tem que pensar como. Explico!

Essa última sexta feira (simbolicamente dia 13 de um ano bissexto), em que a Bolsa parecia se recuperar parcialmente do tombo de 30% do início da semana, em que o dólar voltava a se afastar dos 5 reais e, em que o país contabilizava cerca de 100 casos confirmados do novo coronavírus, pode anteceder o último final de semana de uma certa normalidade em São Paulo, como prevê um amigo infectologista, já que no próximo estaremos possivelmente perto da casa de mil casos registrados, e as pessoas vão definitivamente ficar muito mais em casa. E fico aqui imaginando como serão as noites de amor nas festas, bares e baladas.

Se uma das ideias para conter a velocidade de disseminação do vírus é evitar as aglomerações, embora essa ainda não seja a estratégia oficial adotada pelas autoridades brasileiras (a não ser para as pessoas que fazem parte dos grupos mais vulneráveis), daqui para a frente, a chance desses locais estarem cheios vai cair bastante. Grandes eventos esportivos e culturais previstos para as próximas semanas (como o Lollapalooza), em geral ótimas oportunidades para encontrar gente interessante, estão sendo cancelados ou adiados.

Em contrapartida, aplicativos de encontros e até os "contatinhos" que estavam na "fila" nas redes sociais podem ser alternativas mais seguras. Menos gente junta é menos exposição! É a tecnologia jogando ao nosso lado! Epa! Mas como fica o beijo nessa história? É lógico que beijar e fazer sexo é um momento de intimidade muito maior do que apertar a mão de alguém e, claro, se você "ficar" com alguém infectado pelo coronavírus, sua chance de se infectar também será maior. Mas isso não deve ser motivo para pânico.

Pense, você beijaria alguém que está muito resfriado ou gripado? Possivelmente não! Até porque quem está muito gripado ou resfriado dificilmente teria ânimo para sair beijando e ficando por aí. Com o novo coronavírus não é diferente. Para a esmagadora maioria das pessoas, os sintomas são muito semelhantes aos de um resfriado mais forte ou uma gripe: indisposição, febre, coriza, dor de garganta, espirros, mal-estar, dores pelo corpo.

Nesse caso, se você tem sintomas como esses, fique em casa, não vá trabalhar, evite o contato com pessoas mais velhas, não espirre ou tussa sem proteger nariz e boca com a parte interna do seu cotovelo, lave suas mãos com frequência e, esqueça, por favor, de beijar ou ficar com alguém por 15 dias. Tem tempo para tudo na vida! Duas semanas passam rápido e você vai poder botar todas suas séries em dia.

Mas nesse raciocínio faltou a questão das pessoas que podem estar infectadas e serem assintomáticas ou aquelas que ainda não apresentaram sintomas (que podem levar alguns dias para se manifestar). Nesse caso não tem muito como ter bola de cristal. Até essa semana se falava no maior risco para as pessoas que viajaram para lugares em que a pandemia está mais avançada (Ásia, Europa e EUA) ou que tiveram contato direto com quem viajou, mas agora já se fala em transmissão local, comunitária ou sustentada do novo coronavírus (pelo menos no Rio e em São Paulo), ou seja, em teoria qualquer um de nós, mesmo quem não saiu do país nas últimas semanas nem teve contato com quem saiu, poderia estar infectado.

Um aprendizado importante de epidemias e pandemias anteriores é que o pânico, a histeria, o preconceito e a desinformação são inimigos muito piores do que o vírus ou a bactéria em si. Cada um tem que ter o bom senso de se cuidar (com as orientações que vocês já estão cansados de saber), de proteger os outros membros da sua comunidade (ficando em casa caso suspeite que esteja infectado), e de não atrapalhar o acesso ao tratamento de quem realmente poderá precisar, uma menor parte da população de pessoas mais velhas e das que têm doenças crônicas, que podem evoluir para um quadro de insuficiência respiratória. De resto, é seguir vivendo. Em poucos meses, a expectativa é que a pandemia esteja superada ou, pelo menos, sob controle.

E não custa lembrar: ninguém escolhe estar com coronavírus. O vírus, não decide quem vai ser seu hospedeiro em função de idade, classe social, raça, sexo ou orientação política. Ele entra no organismo e ponto! Quem usa a doença para exercer qualquer forma de preconceito, discriminação ou violência (digital, verbal ou física) está absolutamente errado, movido por medo, ignorância ou maldade. E isso é o contrário de qualquer forma de amor e de humanidade!

Sobre o autor

Jairo Bouer é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e bacharel em biologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fez residência em psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da USP. Nos últimos 25 anos tem trabalhado com divulgação científica e comunicação em saúde, sexualidade e comportamento nos principais veículos de mídia impressa, digital, rádios e TVs de todo o país.

Sobre o blog

Neste espaço, Jairo Bouer publica informações atualizadas e opiniões sobre biologia, saúde, sexualidade e comportamento.